- Está muito calor para jogar basquete. Vamos fazer outra coisa - sugeriu Luke.
Os amigos sentaram-se à sombra do salgueiro a decidir o que fazer.
-Tens mais balões de água? - perguntou Danny.
-Não - respondeu Luke. - Quem me dera ter.
-Podemos jogar jogos de vídeo - sugeriu Sameer, com um sorriso rápido.
-Não, não podemos - disse Luke. - A minha mãe disse que tínhamos de brincar ao ar livre.
-Já sei! - exclamou Jeff. - Vamos brincar às guerras!
Luke levantou-se logo.
-Que óptima ideia! - concordou.
-E se fôssemos andar de bicicleta? - sugeriu Jen.
-Não, nem pensar - atalhou logo Jeff. - A guerra é melhor! Há muito que não brincamos.
E Luke acrescentou:
-Podemos esconder-nos e fazer uma emboscada. Jen, tu és boa a atirar granadas.
Jen sorriu.
Luke pegou num pau e traçou uma linha no chão poeirento. De um lado escreveu um grande S e do outro desenhou um I.
-Temos de nos dividir em duas equipas, Soldados e Inimigos.
Depois tirou o boné e pô-lo no meio da linha.
Jen explicou as regras a Sameer:
-Todos temos de pôr alguma coisa dentro do chapéu. Depois despejamo-lo em cima da linha e vemos quem faz de Soldado e quem faz de Inimigo, conforme o sítio onde os objectos caem. Vais ver que o Luke põe a sua placa de identificação militar. Faz sempre isso.
-O que é uma placa de identificação militar? - perguntou Sameer.
Sameer tinha vindo de um outro país para viver com os tios. Tinha aprendido a jogar basquetebol bem depressa, mas não sabia brincar às guerras.
Luke mostrou-lhe uma placa de metal brilhante que tinha ao pescoço.
-É isto. Era do meu tio. Ele já esteve numa guerra a sério e, quando voltou, deu-ma. Os soldados andam sempre com ela. É muito importante.
Sameer esfregou a placa brilhante com os dedos.
-Não tenho uma igual - disse.
-Não faz mal. Ninguém tem - consolou-o Luke. - Podes pôr outra coisa qualquer no chapéu. A Jen vai colocar uma pedra e o Danny põe um cromo de basebol.
Sameer remexeu no bolso e tirou de lá um pião.
-Posso usar isto?
-O que é isso? - perguntou Danny.
-É um pião - respondeu Sameer. - Vocês não têm disto aqui?
Tirou um cordel do bolso e continuou:
-Lá no meu país havia muitos.
De repente, o pião rolou aos pés deles. Sameer atirou-o ao ar, apanhou-o a girar e colocou-o no boné de Luke.
-Que espectáculo! - disse este.
Depois virou o boné com um gesto rápido e anunciou:
-Os Soldados são Danny, Jen e Jeff. Os Inimigos são o Sameer e eu.
Antes mesmo de os outros se terem mexido, Luke correu pela encosta abaixo, gritando:
-Os Inimigos vão para o pinhal. Os Soldados ficam aqui.
Jen queixou-se:
-Não é justo começar a guerra antes de estarmos prontos!
-Como nos preparamos para uma guerra? - perguntou Sameer, logo que chegaram às árvores.
-Apanha paus para fazerem de armas e pinhas para fazerem de bombas e granadas. Temos de ter um plano de ataque.
Dentro de minutos, o boné de Luke estava cheio de pinhas. Sameer só tinha uma.
-Só tens uma? - admirou-se Luke.
-Acho que chega.
-Talvez para ti. Quanto a mim, tenciono arrancar-lhes a cabeça!
Sameer deu a sua pinha a Luke e disse:
-Lembrei-me agora de que tenho de ir cedo para casa.
Virou costas e deixou o amigo ali especado.
-Espera! - gritou Luke. - Não posso ser o único Inimigo! São muitos contra um!
Mas Sameer já tinha desaparecido.
Quando os miúdos se juntaram de novo na manhã seguinte, o plano de Luke estava pronto. Tinha apanhado montes de pinhas atrás de casa e tinha-as escondido no pátio. Estava ansioso por começar. Comentou para Sameer:
-Quem me dera que houvesse uma guerra para miúdos. Uma guerra a sério.
-E há - disse o amigo, em voz baixa.
-O quê? Onde? - quis saber Luke.
-No meu país.
Sameer pegou numa bola de basquete, driblou e encestou.
-No sítio onde vivias? - perguntou Luke.
-Sim, perto da minha casa verdadeira, antes de vir viver com o meu tio Mustafa. Até participei nela.
-Nela o quê?
-Na guerra.
-Estás a brincar! Nunca nos contaste nada. Tinham miúdos-soldados e metralhadoras?
Sameer deixou cair a bola e sentou-se junto de Jen. Embora tivessem brincado bastante juntos este Verão, nenhum deles sabia muito sobre o novo amigo.
-Não gosto de falar sobre isso - confessou Sameer. - Eu não era soldado. Ninguém na minha família era. Entrámos na guerra porque fizeram a nossa casa ir pelos ares.
-Quem fez? - perguntou Jeff.
-Não sabemos. Havia muitos tiros a serem disparados de ambos os lados.
O menino pegara, entretanto, no pião, e começara a enrolar o cordel em torno dele.
-Os meus pais e o meu irmão estavam em casa quando morreram. Como eu estava na escola, salvei-me e vim viver com o meu tio Mustafa.
-Mas, porque atacaram a tua família? - sussurrou Jen.
-Foi um engano. Não planeavam atacar-nos. O meu tio disse que os morteiros deviam ter atingido outras casas.
Todos olharam para ele. Ninguém sabia o que dizer. Sameer falava de algo que eles nem imaginavam que existisse.
-Foi um erro terrível - disse Luke, por fim.
Sameer assentiu com a cabeça.
-Quem me dera que nunca tivesse acontecido.
Ao ouvir a história de Sameer, Luke teve vontade de chorar. Por momentos, ficou apenas a olhar para o pião do amigo. Depois, foi até à linha divisória que traçara no chão e apagou as letras S e I, bem como a própria linha.
-Não vamos jogar mais? - quis saber Danny.
-Vamos - respondeu Luke, pondo o braço em torno de Sameer. - Vamos jogar basquete.
Depois olhou para os amigos e disse:
-Está muito calor para guerras.
Kathy Beckwith; Lea Lyon
Playing War
Maine, Tilbury House, 2005