Um bom pai não é aquele que "até faz de mãe" – a função paternal é diferente da função maternal, e da boa gestão dessa diferença resulta uma mais-valia indiscutível para a criança. Os educadores, no seu intenso e precoce relacionamento com os pais, fazendo uso da sua privilegiada posição, podem estimular muitas das coisas que adiante são referidas...
Pais por inteiro...
Em Março comemora-se o "Dia do Pai". Visto frequentemente como um "rebuçado" dado aos progenitores do sexo masculino, como contrapartida paritária do Dia da Mãe e contraponto do papel que as mães indubitavelmente têm no que toca às crianças, o Dia do Pai já começou a "institucionalizar-se" e, felizmente, os pais começaram a sair de um certo "anonimato" (que durante muito tempo também lhes deu um enorme jeito, diga-se de passagem) e começaram a ocupar-se mais e mais da função parental, que lhes é devida, e que constitui um dever mas também um direito.
Os movimentos feministas foram indubitavelmente úteis pelo menos numa coisa: o facto de devolverem aos pais (aqui a palavra significa o plural de pai, sexo masculino) o gozo e o prazer de acompanhar mais de perto o crescimento dos filhos. Arredado por diversas razões, entre as quais os hábitos culturais estimulados durante tanto tempo - quer por homens, quer pelas próprias mulheres -, da alegria de criar um filho, o pai do início do século XXI pode sentir-se bastante mais realizado na sua tarefa "paternal". A entrada maciça das mulheres no mercado de trabalho, sobretudo depois da II Guerra Mundial, contribuiu também para se perderem alguns dos estereótipos que marcavam as sociedades ocidentais.
A gravidez - um período que também pertence aos pais
Ninguém diz, por exemplo, que um homem está "grávido", a não ser em tom de ironia. Este facto expressa bem a primeira diferença: a gravidez é um fenómeno quase exclusivo da mulher. Há pais um pouco mais felizardos: são informados do facto desde o início, acompanham a mulher às consultas, vêem o bebé mexer-se na ecografia, sentem os "pontapés" da criança ou ouvem o seu coração bater. Já não é nada mau. Mas, por muito que isto represente um avanço, a sua principal "missão" durante a gravidez continua a ser prestar cuidados à mulher - trazer-lhe "chocolates e presentes", desempenhar (ainda mais) tarefas no trabalho doméstico, oferecer-lhe flores, ceder aos seus pequenos caprichos -, enquanto a desta é prestar cuidados ao bebé que, convém relembrar, é de ambos. Aqui reside uma diferença importante e um salto qualitativo que teremos que dar. A gravidez (ou gestação, se entendermos as coisas na perspectiva da criança) é uma questão que tem a ver essencialmente com duas pessoas: a mãe e o bebé. Todos os restantes - pai, família, médicos, enfermeiros, etc. - são apenas intervenientes indirectos, com acções mais ou menos relevantes mas sempre indirectas.
A relação pai-filho
Não admira assim que a relação mãe-filho, tão cantada por poetas, afirmada por pediatras e interpretada por psicólogos, seja uma realidade visível desde o primeiro momento da vida. O bebé ouve e vê desde os minutos iniciais, mas ouve principalmente a voz da mãe e vê principalmente a face da mãe... assim como reconhece o cheiro do seu leite e o toque dos seus dedos. Por outro lado, como afirmam os pediatras do desenvolvimento, a chamada "gestação extra-uterina" dura outros tantos nove meses porque durante esse período é a mãe o principal centro de interesse, de afecto e de sentimento de protecção da criança.
Posto isto, perguntar-se-á: qual o papel do pai, então, se o bebé "só tem olhos para a mãe"? Mas será mesmo assim? Será que os pais não podem também fazer de mães? Ah! Cá estamos com o vício de raciocínio... "fazer de mães"... A experiência mostra que os pais podem também criar um filho desde os primeiros momentos. Não são raros os casos em que, por variados motivos, o pai tem de assumir por completo a função parental. E não consta que esses casos acabem necessariamente em insucessos, muito pelo contrário. Mas excepções são excepções, e a regra é serem os dois (ou a mãe) a ocuparem-se dos cuidados à criança, sobretudo nos primeiros anos de vida, e raramente essa tarefa recai apenas sobre os ombros do pai.
De qualquer forma, importa fazer o alargamento à tríade mãe-pai-filho desde o início. Como fazer então para que o pai deixe de ser apenas o "ganha-pão" da família e passe a ocupar-se da educação e dos cuidados à criança? Como vencer as resistências que, dentro de cada um e dentro da sociedade, ainda limitam ao pai, em tantos casos, o acesso ao prazer de criar um filho? A evolução quase vertiginosa da sociedade portuguesa nas últimas décadas e as grandes alterações que se verificaram nos conceitos, nas atitudes e no dia-a-dia das mulheres, levaram a que os pais passassem a ter - quisessem ou não - um papel de relevo na educação dos filhos. E haverá muitos casais, especialmente os mais jovens, que vivem já uma realidade (felizmente) muito diferente, e para quem este tipo de dúvidas nunca se pôs. Na maioria (espero) dos casais jovens, as tarefas domésticas são repartidas mais ou menos equitativamente, bem como as que têm a ver directamente com os cuidados ao bebé - alimentação, mudar fraldas, etc. Mas atenção: um bom pai não é aquele que "até faz de mãe" – a função paternal é diferente da função maternal, e da boa gestão dessa diferença resulta uma mais-valia indiscutível para a criança.
Ter filhos - um projecto a dois
Em Portugal, o total empenhamento do pai na educação e nos cuidados aos filhos ainda não é uma evidência absoluta e pode ser estimulado e aumentado.
Como? Bom, em primeiro lugar se se pensar num filho como um projecto a dois, ou seja, um projecto que envolve escolhas, decisões e motivações de duas pessoas e que, em qualquer dos casos, irá ser responsável por mudanças radicais no ciclo de vida familiar. O pai, como "contribuinte" de metade dos genes da criança, é inegavelmente um progenitor de direito próprio. Depois, numa segunda fase, quando esse projecto a dois já é uma realidade, ou seja, durante a gestação do bebé, a participação do pai pode ir mais além do que um mero suporte das necessidades da mulher; explicando-me melhor, embora o apoio do pai não possa ser directamente dirigido à criança, dada a inexistência de canais biológicos entre os dois, o apoio à mãe pode ter também como objectivo os cuidados ao filho. Sabe-se hoje que, por exemplo, o bebé é capaz de ouvir a voz do pai ainda no útero materno e que depois a reconhece também cá fora, sem margem para dúvidas. Terceiro aspecto: o parto.
Infelizmente, e apesar de uma lei que determina o direito à presença de um acompanhante junto da parturiente, muito pais são privados de um dos momentos mais emocionantes que poderão ter na vida - o nascimento de um filho. Esta situação tem que mudar.
O bebé nasceu. A participação do pai pode ser marcante logo desde o início e não só para mudar as fraldas, dar biberões ou outras coisas no género. Não! O papel do pai na educação da criança pode contribuir decisivamente para o sucesso das relações familiares e para a plena expressão das potencialidades das crianças.
Enfim, há que começar a ver estes (e outros) aspectos de uma forma inovadora. É claro que a organização social ainda coloca algumas barreiras à participação do pai.
A "licença de parto" é uma delas. O pai já tem também direito a alguns dias de "licença" quando lhe nasce um filho, com carácter obrigatório, mas ainda é muito curta. Não se discute o direito da mulher a ter seis ou mais meses. Mas, independentemente disso, o pai também deveria ter pelo menos três ou quatro semanas, em conjunto com a mãe e não em sua alternativa.
Outro achado da investigação científica é o de que, no tempo que pais e crianças passam juntos, os pais têm mais tendência do que as mães a comportar-se como "companheiros" das crianças, havendo mesmo autores que definem os jogos entre pais e filhos como mais estimulantes e alegres, com maior contacto táctil e uma abordagem mais próxima da criança. Mais um exemplo da complementaridade de funções e da necessidade das duas para o desenvolvimento harmonioso da criança.
Saúde "paterno-infantil"?
O bebé vai crescendo e, sobretudo depois do primeiro ano de vida, o pai passa a ocupar um espaço cada vez maior nas relações com a criança. É bom que se sinta competente e capaz de tal tarefa. É bom que a mãe também saiba isso. Na adolescência, por exemplo, mãe e pai representam na perspectiva do jovem um recurso em termos de saúde, de educação e noutras áreas O envolvimento do pai com a criança é influenciado por diversos factores interpessoais, sociais, culturais e económicos. Uma influências importante é a relação conjugal. Uma elevada satisfação nas relações conjugais estimula os pais para um maior envolvimento nos cuidados aos filhos. Se, pelo contrário, sobrevêm sentimentos de competição, ciúme ou inveja (como o que acontece com tantos pais, que ficam ciumentos quando as mães amamentam), a vontade de se relacionar com os filhos decresce. Aliás, de modo geral, a mãe surge como figura moduladora e reguladora da intervenção do pai. Assim, curiosamente, quando as mães sentem que tiveram uma relação pobre com o próprio pai, tendem a estimular nos maridos uma relação mais forte com a criança. Com os pais é o contrário: a noção de um grande envolvimento dos seus próprios pais leva a um maior envolvimento da sua parte.
Feliz "Dia do Pai" para toda a família
Os padrões que regiam os pais de há duas ou três gerações não são certamente os de agora, assim como a própria relação entre os cônjuges terá mudado radicalmente - pensemos nos nossos avós e nos nossos próprios pais e vejamos as diferenças.
São contudo os filhos os maiores beneficiários destas mudanças, pois passaram a ter a família completa quando muitos deles tinham antes uma mãe e "um senhor que estava lá em casa" (para não dizer que estava completamente ausente). Esse "senhor" é agora uma pessoa participante, que brinca, que apoia, que ajuda, que conversa, em quem os filhos podem confiar - e que desempenha um papel único e insubstituível. Aproveitemos esta situação ao máximo e estejamos felizes porque, finalmente, podemos ser Pais na plena acepção da palavra.
Mário Cordeiro, Professor de pediatria - Cadernos de Educação de Infância
Jan./Mar. 2004