A televisão infantil atravessa, no Reino Unido, uma crise sem precedentes, que iniciou o debate na sociedade britânica. A oferta diversificada dos canais da televisão digital e as crescentes restrições publicitárias estão a obrigar as televisões do país a abandonar os mais novos.
Na verdade, nunca houve tantas horas de programação infantil nas televisões britânicas como hoje em dia, com 25 canais dedicados e 113 mil horas de emissões anuais (na década de 50 eram transmitidas mil horas ao ano).
Mas o exaustivo relatório apresentado pela Ofcom, a entidade que regula os media britânicos, mostra que, em 2006, de toda a programação para crianças transmitida no país, apenas 17% foi produzida no Reino Unido, e apenas 1% estava a ser transmitida pela primeira vez. O regulador avisa que, apesar da fragmentação generalizada das audiências, as televisões britânicas estão a reduzir as horas de emissão para crianças, e a abandonar o investimento nas produções próprias direccionadas aos mais novos.
Segundo a entidade, a generalidade dos pais britânicos estão compreensivelmente preocupados com a redução na aposta "caseira", que dá lugar aos desenhos-animados e à importação de conteúdos norte-americanos.
A Ofcom revela que o investimento por parte das televisões ITV1, GMTV, Channel 4 e Five é hoje metade do efectuado em 1998.
No entanto, a voz dos anunciantes britânicos, a ISBA, acusa a Ofcom de também ser responsável: "As restrições impostas aos anúncios de comida para crianças reduziram as receitas das estações de televisão, e o seu desejo de investirem numa programação infantil, incluindo em produções próprias". Acusações já refutadas pelo regulador: "O investimento está em queda desde 2002, muito antes da entrada em vigor das novas regras de publicidade para crianças".
Anna Home, responsável pela campanha Save Kids TV (em português, salva a televisão para crianças), acredita que "a Ofcom identificou uma falha no mercado e que uma tradição de 60 anos de serviço público para crianças está à beira do colapso". "A competição pela audiência diurna adulta está a aumentar, o que eleva a pressão para diminuir o compromisso para com as crianças na BBC1", concluiu Home.
A ex-responsável pela programação para crianças do canal público afirma que a BBC "necessita de uma competição saudável e de uma indústria de produção vibrante para continuar a oferecer programas inovadores, desafiantes e abrangentes às nossas crianças".
O responsável pelo grupo Voice of The Listener and Viewer (em português, voz do ouvinte e espectador) explica porquê: "Para que [as crianças] desenvolvam uma identidade cultural forte, e cresçam como cidadãos desta nação, mentalmente e emocionalmente maduros, precisam de programas que reflictam a sua rica herança linguística, literária, valores e ambiente".
Produtores independentes já avisaram. Sem uma acção imediata, a produção própria desaparecerá, "deixando às futuras gerações nada mais que a repetição de programas e a importação de outros países".