As medidas de austeridade impostas em Portugal estão a limitar o acesso de crianças e famílias a serviços essenciais como a educação e a saúde, revela um relatório da Eurochild, a rede europeia de organizações para a infância.
A Eurochild é uma rede de organizações e pessoas que trabalham pela melhoria da qualidade de vida das crianças e adolescentes, com 116 membros em 35 países europeus.
"A maior evidência do presente relatório é que as condições de vida das crianças de toda a Europa e das suas famílias deterioraram-se muito em comparação com a anterior análise da Eurochild, em 2011", lê-se no relatório, concluído em dezembro do ano passado.
De acordo com a Eurochild, depois de um breve período de medidas de estímulo e expansão da despesa pública para contrariar o primeiro impacto da crise em 2008, a maioria dos governos europeus introduziu medidas de austeridade severas nos últimos anos, "o que representa uma série de ameaças às crianças e às suas famílias".
A organização coloca Portugal no grupo de países onde as transferências sociais têm pouco impacto na redução do risco de pobreza infantil, juntamente com a Bulgária, Grécia, Espanha, Itália, Lituânia, Letónia, Polónia, Roménia e Eslováquia.
Os países deste grupo são também aqueles cujas crianças estão expostas ao risco de pobreza mesmo quando todos ou alguns membros do agregado familiar trabalham.
"O estudo mostra que, desde o início da crise, muitos governos introduziram medidas de corte na despesa social, que são diretamente sentidas pelas crianças e pelas suas famílias", diz a Eurochild.
Acrescenta que isto diminuiu o acesso das crianças aos recursos adequados, limitou o seu acesso a serviços de educação, saúde e bem-estar e restringiu as oportunidades das crianças participarem plenamente na vida familiar e social.
"A crise afetou todos os países europeus, mas em diferentes graus. Nos casos mais graves, os governos da Grécia, Irlanda e Portugal aceitaram pacotes de empréstimos com a troika da Comissão Europeia, Banco Central Europeia e o Fundo Monetário Internacional, na condição de imporem enormes cortes na despesa social", aponta a organização.
A Eurochild alerta que as consequências a longo prazo do desemprego ou das condições de emprego precárias podem ser severas tanto no bem-estar das crianças como dos pais e lembra que a pobreza infantil pode ser evitada, dando como exemplo que há países que conseguem proteger melhor do que outros as suas crianças mais vulneráveis.
De acordo com o relatório, em Portugal, o corte nos benefícios para as crianças entre 2010 e 2012 "foram particularmente severos e tiveram um impacto significativo no rendimento de muitas famílias com filhos".
"As novas e restritivas regras de acessibilidade para os benefícios sociais podem levar a que muitos beneficiários sejam injustamente privados do acesso à assistência social, o que pode igualmente constituir uma importante redução no seu rendimento", lê-se no relatório.
A Eurochild lembra que, comparando com 2011, a taxa de desemprego subiu em 15 Estados membros nos últimos três meses, com os aumentos mais altos registados na Grécia, Espanha, Itália, Chipre, Portugal (+0,5 pontos percentuais, para 15,2%) e Bulgária.
Por outro lado, o desemprego afeta mais de 30% dos jovens em idade ativa na Bulgária, Itália, Portugal e Eslováquia.
Os dados relativos a Portugal foram recolhidos através da Rede Europeia Anti-Pobreza que sublinha que "o desemprego e o corte nos subsídios têm uma influência direta nas oportunidades e nos cuidados infantis".
A mesma organização denuncia "o aumento substancial", nos últimos dois anos, do número de casos de famílias com dificuldades em pagar os seus empréstimos e um aumento do número de chamadas relacionadas com pobreza familiar feitas em 2011 para a linha do Instituto de Apoio à Criança.