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Nascer com vírus da sida: uma herança para a vida
01-12-2008
JN
  Início da sexualidade na adolescência obriga a um esforço suplementar na prevenção.

   Isabel nasceu em 1997 com uma herança pesada que carrega para a vida - o vírus da imunodeficiência humana. Paula tem 16 anos e aos 15 engravidou "sem querer". A medicação evitou que transmitisse ao filho esse habitante indesejado do seu corpo.

   Os dois nomes são fictícios. As vidas por trás deles não. Ilustram lutas que as estatísticas não mostram e um percurso clínico que mudou as taxas de transmissão mãe/filho do vírus da imunodeficiência humana (VIH). Há uma década, a percentagem de bebés infectados era de 17 a 20%. Hoje, oscila entre 0,2 e 1%, consoante as unidades hospitalares.

   "A infecção na criança é a intervenção de sucesso em VIH", explica o pediatra Lino Rosado, da Associação Portuguesa para o Estudo Clínico da Sida (APECS). Logo depois da frase optimista, soltam-se as críticas. Se ao nível terapêutico tudo mudou, "socialmente estamos como há 20 anos". Faltam estruturas de apoio social. Mantém-se a discriminação que envolve crianças e adultos em muros de silêncio. E como o pico de infecções foi há década e meia, está a crescer outro "problema complicado": o despertar de adolescentes seropositivos para a sexualidade.

   Segundo os dados oficiais - que pecam por defeito, até porque a notificação só é obrigatória desde 2004 -, a 31 de Dezembro passado contavam-se 575 portadores assintomáticos de VIH na faixa dos 15 aos 19 anos. A que se juntam 159 com sida. Nos grupos dos 0 aos 15 anos, são mais 141 seropositivos e 121 sintomáticos.

   "Do ponto de vista da saúde pública não é um problema em Portugal, mas há que prestar atenção aos riscos de infecção nestes grupos", admite Henrique Barros, coordenador nacional para a infecção VIH/Sida. "Mas a mensagem do uso de preservativo é universal, nem sequer é específica para estes adolescentes".

   Lino Rosado trabalha com crianças e adolescentes infectados, no Hospital D. Estefânia, desde que os primeiros casos foram diagnosticados no país. Essa experiência ensinou-lhe que uma coisa é transmitir conhecimentos, outra mudar comportamentos: "Um adolescente, por definição, corre riscos. Faz parte da sua afirmação". E são vários os casos de gravidez acompanhados no D. Estefânia.

   Pior ainda, alerta a obstetra Cristina Guerreiro (que criou a consulta de apoio a grávidas seropositivas na Maternidade Alfredo da Costa, em Lisboa), é haver pais com "pudor em informar os filhos". E muitas crianças que perderam os pais, vítimas da doença, ou que têm "famílias disfuncionais". Desconhecimento é sinónimo de risco acrescido.

   Por isso mesmo Teresa d'Almeida, fundadora e presidente da associação Sol, contesta a plenos pulmões o secretismo e a "superprotecção" da sociedade, que não deixa "naturalizar" a experiência de crianças com VIH ou sida.

   Na casa Sol os 22 moradores dão a cara e o nome (ver páginas seguintes). "Estas crianças estão a abrir caminho para a diferença. São ensinados a dizer e não a esconder", explica. No dia de iniciarem a vida sexual, acredita que essa atitude fará toda a diferença: "Quem está habituado a contar não será potencial transmissor".

   Se a transmissão mãe-filho é hoje residual (quatro casos em 2007, cinco no ano anterior), Teresa d'Almeida alerta para as situações que escapam ao Serviço Nacional de Saúde. Só na casa tem três crianças com meses. Filhos de sem--abrigo e pais estrangeiros com gravidezes não vigiada. Casos que ninguém pode contabilizar com segurança.


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