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"O meu filho morreu. Ninguém pergunta por ele?"
26-06-2008
IOL Diário
  Um pai não devia enterrar o filho. A frase batida reflecte bem o que se sente após uma reunião na associação "A Nossa Âncora", uma instituição que ajuda pais em luto. São cerca de 20 pais e mães. Reúnem-se em círculo e falam, riem e choram, durante mais de três horas.

   O espaço, cedido pela Cruz Vermelha, é de total liberdade: ali podem recordar o filho que partiu, contarem porque deixaram a cama feita durante um ano ou como escrevem sem se cansarem - nada é recriminado; todos já passaram pelo mesmo.

   A associação tem pólos espalhados pelo país - vai vivendo das quotas dos sócios e de algumas ajudas das autarquias - e além das reuniões supervisionadas por um psicólogo e por uma mãe em luto, que já fez a sua "caminhada", oferece ainda atendimento individual, ajuda telefónica e online.

   Há mais de uma década anos, tudo começou com duas mães que se juntaram para fazer o luto da morte dos seus filhos, num encontro sugerido por um psiquiatra. A esse encontro outros se seguiram até que foi preciso criar uma linha telefónica para atender os telefonemas de quem procurava ajuda.

   "A morte de um filho é anti-natura", diz Emília Agostinho, presidente de "A Nossa Âncora" Uns perderam os filhos há meses, outros já carregam essa dor há 20 anos: "A dor é para sempre, mas é possível viver com serenidade", sublinha Emília Agostinho, também uma mãe em luto.

   Estão distribuídos em forma de círculo. Um maço de cartões vai passando contra o sentido dos ponteiros do relógio: cada papel tem uma palavra; e é sobre essa palavra que a conversa começa, com o sol a entrar pela sala cheia de janelas.

   A moderadora, Emília Agostinho, fala pouco, vai gerindo o tempo e as emoções dos pais que vêem estes encontros "como um balão de oxigénio" para passar o resto do mês, até à próxima reunião. A sessão começa oficialmente com uma oração, mas é quando a palavra "Revolta" surge escrita num cartão que o encontro se inicia verdadeiramente.

   Há choro, há dor, há revolta, mas há também compaixão e entendimento naquela sala que transborda de saudade. "Com o tempo não dói tanto", garante quem já por passou por um luto recente. "A meta é a serenidade", a outra palavra de um cartão que saiu ao vizinho do lado.

   Para quem viu o filho partir há meses, não há "aceitação": há apenas a sensação de injustiça, mas a consciência de que, com esta "caminhada", tudo vai mudando; e estas reuniões, a par de terapia com psiquiatras ou psicólogos, são uma ajuda valiosa para fugir ao suicídio com que muitos médicos se deparam nestes casos de pais em luto. Foi assim que a associação nasceu - da iniciativa de um psiquiatra que juntou duas mães - e é assim que continua, permitindo que os pais continuem a falar do filho.

   Por que isso nunca muda. Todos contam que amigos, colegas de trabalho, e até os familiares deixam de perguntar ou de recordar os aniversários ou as façanhas atléticas de quem já não está cá. "Mas eu quero falar do meu filho. Por que é que as pessoas evitam o tema?", questiona uma mãe. "Às vezes até mudam de passeio, só para não me encarar".

   "Falta uma educação para a morte", bem visível na forma como se "esconde das crianças" que um familiar morreu ou "como o pessoal de enfermagem, bombeiros ou polícias dão a notícia aos pais", explica Emília Agostinho. A associação dá formação a estas profissões.


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