Mais de 90 por cento das crianças e jovens têm pelo menos duas televisões em casa e seis em cada dez têm uma no quarto, tal como acontece com uma percentagem semelhante de pais. Os aparelhos estão na sala, mas também na cozinha e noutras divisões. Só que esta já não é a "lareira electrónica" à volta da qual se reúne a família.
"Há uma tendência para o uso independente dos aparelhos de televisão que se afasta do paradigma do seu uso familiar", dizem os autores do estudo "E-Generation: Os Usos de Media pelas Crianças e Jovens em Portugal", de 2007. Os investigadores do ISCTE Rita Espanha e Tiago Lapa inquiriram uma amostra representativa de miúdos entre os 8 e os 18 anos e chegaram à conclusão que, apesar de continuar "omnipresente" (em mais de metade dos lares existem três ou mais aparelhos), a televisão perdeu o seu lugar central, com os jovens a dividirem o seu tempo e atenção com outros meios e tarefas, como o computador, o leitor de MP3 ou o telemóvel.
A televisão pode até estar sempre ligada, com 91 por cento dos inquiridos a dizer que assim é às horas das refeições. Metade admite até que o aparelho está a funcionar mesmo quando ninguém está a ver. O que acontece é que, também muitas vezes, cada elemento da família a utiliza no seu espaço, originando "novas formas de organização familiar e modos de organização geográfica das actividades familiares".
E se a vida dos jovens se está "a deslocar do público para o privado", por causa do "declínio da cultura de rua e do convívio familiar", uma vez em casa é no quarto que os mais novos passam muito do seu tempo. Os autores do estudo falam mesmo na "emergência de uma cultura do "quarto de dormir", onde os jovens tendem a concentrar no seu reduto mais privado os "media" que utilizam".
"Esta forma de estar, o isolamento dos jovens no seu próprio quarto, já existia nas gerações anteriores. Mas agora os jovens têm ao seu dispor vários meios (televisão, telemóveis, internet) que lhes dão entretenimento e lhes permitem também prolongar as relações com outros jovens sem sair de casa", comenta Rita Espanha.
Em relação ao que vêem na televisão, a TVI é o canal favorito para mais de metade (a RTP 1 tem a preferência de apenas 4,5 por cento) e gostam sobretudo de filmes. Mas são as telenovelas que mais tempo lhes roubam. Menos de metade assiste ao telejornal.
A Internet é outro dos "media" que tem ganho uma importância fundamental na vida dos jovens. Quase três em cada quatro assume-se como utilizador, com a maioria a iniciar-se aos 10,11 anos. A Web serve para enviar "mails", consultar enciclopédias e dicionários "online" ou procurar informação relacionada com os estudos. Navegar "sem objectivos concretos", jogar ou participar em "chats", combinar saídas e contactar amigos quando se "está desanimado" são outras utilizações recorrentes.
Concluem então os investigadores que o receio de que as novas tecnologias provoquem o isolamento dos jovens não parece confirmar-se, na medida em que a rede é utilizada para interagir e comunicar. "Há um prolongamento e uma intensificação da vida social, especialmente através de uma muito maior utilização da Internet", reforça Rita Espanha.
Mais de metade fica "muito ansioso" se não tiver o telemóvel.
Já se sabia que o telemóvel se tornou num acessório quase imprescindível na vida de muita gente. Praticamente todos os jovens entre os 16 e os 18 anos inquiridos no estudo do ISCTE têm um e metade das crianças entre 8 e os 12 também. Em média, é aos 11,8 anos que se recebe o primeiro aparelho. O que se verifica é que os níveis de "habituação psicológica" ao telemóvel são também elevados nesta faixa etária.
Entre os inquiridos do estudo "EGeneration: Os Usos de Media pelas Crianças e Jovens em Portugal", 85 por cento concordam com a noção de que se sentem muito mais tranquilos quando têm consigo o seu telemóvel. E mais de metade admitem sentir-se "muito ansioso/a" quando não o podem ter. Sendo certo que a maioria das chamadas são para amigos e familiares, mas que apenas três por cento dizem respeito a conversas que têm como objectivo a "resolução de problemas fundamentais da gestão doméstica e familiar".
Resultado: 44 por cento garantem que não fariam a maioria das chamadas que efectuam no telemóvel através do telefone fixo, objecto que começa, aliás, a ser cada vez menos comum em casa (existe em cerca de metade dos lares dos inquiridos).
As mensagens escritas são a forma de utilização preferida – a média de chamadas diárias é de 3,65, enquanto a de SMS sobe para quase 26 – e substituem em muitos casos a comunicação oral. Os votos de boas festas e os parabéns a amigos e familiares já não são maioritariamente dados com cartões ou telefonemas, mas através de mensagens escritas. Que também servem para namorar e combinar encontros como, nalguns casos, para terminar uma relação amorosa, com 15 por cento dos jovens a admitir tê-lo feito dessa forma.
Por tudo isto, acaba por não ser surpreendente que as crianças e os jovens assumam que têm dificuldades em desligar o seu meio de contacto favorito. Cerca de 40 por cento admitem que não o fazem quando estão em aulas, conferências e palestras. Nem em momentos fúnebres ou em celebrações religiosas em igrejas.
O telemóvel é também uma "companhia" a que se recorre quando se está sozinho e se espera por alguém. Sobretudo para as raparigas, que enviam SMS e telefonam enquanto aguardam. Por mês, os jovens gastam em média 18,5 euros.
Quanto a hábitos de leitura, o estudo indica que 60 por cento lêem livros e quase um em cada três lêem jornais. Mas dedicam a esta actividade pouco mais de meia hora semanal, contra as 15 que passam a ver televisão ou as 10 que consomem a navegar na Internet.
O cinema continua a ser uma das actividades preferidas, com 60 por cento a ir habitualmente a uma sala.