Crianças que vivem em Viseu estão expostas a níveis de poluição do ar três vezes mais elevados do que o recomendado pela Organização Mundial de Saúde, revelam cientistas portugueses.
Primeiros resultados do projecto "Saudar - A Saúde e o Ar que respiramos" registaram valores preocupantes no que diz respeito à qualidade do ar na região de Viseu, principalmente no que se refere à exposição das crianças.
O estudo que envolveu engenheiros da Universidade de Aveiro e médicos da Faculdade de Ciências Médicas, da Universidade Nova de Lisboa, baseou-se na monitorização e avaliação da qualidade do ar, através de medições feitas em habitações e escolas na região de Viseu, ou seja, os locais onde as crianças passam mais de 90% do seu tempo.
Poluentes como ozono, óxidos de azoto, dióxido de enxofre, monóxido de carbono, benzeno, tolueno, etilbenzeno e xileno e ainda formaldeído, foram monitorizados em quatro momentos ao longo do ano: Janeiro e Junho de 2006 e Janeiro, Maio e Junho de 2007.
Carlos Borrego, engenheiro da Universidade de Aveiro, e um dos investigadores principais do estudo, explica, em declarações à TV Ciência, que "durante a monitorização não foram encontrados problemas de poluição pelos compostos acima citados, com excepção de algumas situações pontuais de ultrapassagem dos valores limite de ozono no ar exterior, durante a campanha de Junho de 2006, e de benzeno no ar interior em 7% das habitações".
Actualmente, e de acordo com os resultados desta avaliação de gases poluentes emitidos para a atmosfera, a preocupação recai sobre a exposição das crianças às partículas PM10 (partículas com diâmetro inferior a 10 micrómetros).
"As partículas PM são elas próprias um poluente, com valores limite específicos e costumam classificar-se de acordo com o seu tamanho", explica o investigador e adianta que, "a matéria particulada representa uma mistura complexa de compostos orgânicos e inorgânicos sob a forma sólida ou líquida".
Estas partículas constituem uma ameaça para a saúde humana, uma vez que podem determinar o aumento de problemas respiratórios crónicos, do risco do cancro do pulmão ou até mesmo da morte prematura. Sendo que, a perigosidade destas partículas depende do tamanho e da sua composição química.
No que se refere à origem das partículas atmosféricas, Carlos Borrego adianta que "são emitidas por uma grande variedade de fontes naturais e antropogénicas", sendo que destas as que mais contribuem para a poluição são "a combustão – residencial, industrial e com origem no tráfego – assim como, as poeiras geradas pelas obras. Dentro das fontes naturais temos as poeiras do Norte de África, os incêndios florestais e o "spray" marinho".
Quando comparados o dados do estudo agora apresentado com as recomendações da Organização Mundial de Saúde, em Viseu, as crianças estão expostas quase três vezes mais a estas partículas. Isto, porque a OMS estima que a média anual é de 20 microgramas por metro cúbico, enquanto que o estudo revela que "a exposição a este poluente calculada é de mais de 50 microgramas por metro cúbico, quer para a semana escolar típica de Verão, quer para a semana de Inverno, fazendo supor que a média anual estará muito próxima deste valor".
No estudo apresentado, os investigadores testaram o caso de crianças asmáticas, entre os seis e os dez anos, expostas à poluição atmosférica em duas zonas com qualidade de ar diferentes – urbana e suburbana. Uma amostra que revelou que as crianças que residem na zona urbana estão claramente mais expostas à poluição.
De acordo com um inquérito aplicado a todos os encarregados de educação, afim de identificar os fumadores e não fumadores, Carlos Borrego afirma ainda que "a poluição interior encontrada não foi associada directamente ao tabagismo, assim como não foram encontrados níveis mais elevados nas casas com fumadores do que nas casas sem fumadores".
O estudo revela ainda que a "qualidade do ar medida e calculada em Viseu, não difere da qualidade de outras cidades portuguesas de dimensão semelhante, sendo bastante melhor do que a encontrada nos grandes centros urbanos (Porto e Lisboa) e cumprindo a legislação estabelecida para a qualidade do ar exterior".
No entanto, porque esta região está em forte crescimento, as fontes de poluição antropogénicas poderão colocar em risco a qualidade do ar e a saúde das populações. Com estes dados, o grupo de investigação pretende contribuir para a redefinição das políticas de desenvolvimento local, tendo por base a qualidade de vida dos habitantes, com especial atenção a dos jovens.
A poluição atmosférica assume-se cada vez mais como um problema de saúde pública, responsável pelo aumento da mortalidade e morbilidade humana. De acordo com dados disponibilizados pela OMS, "cerca de 20 milhões de europeus sofrem diariamente de problemas respiratórios, estimando-se que a poluição atmosférica seja responsável, anualmente e no conjunto das maiores cidades Europeias, por 100 mil mortes e 725 mil anos de vida perdidos".
Já os estudos da Comissão Europeia avançam para 350 mil mortes na Europa no ano 2000, devido, exclusivamente, à exposição a partículas finas, ou seja, à poluição atmosférica.
O projecto "Saudar - A Saúde e o Ar que respiramos", foi financiado pela Fundação Calouste Gulbenkian, e reuniu uma equipa interdisciplinar de engenheiros do Ambiente, da Universidade de Aveiro liderada por Carlos Borrego e uma de médicos, dirigida por Nuno Neuparth, da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa.