Crianças vítimas de abuso sexual relataram, em média, oito vezes as agressões de que foram vítimas ao longo dos processos judiciais. A conclusão é de um estudo sobre a criança na Justiça, noticiado pela agência Lusa. O trabalho académico, desenvolvido pela psicóloga forense Catarina Ribeiro, apresenta as trajectórias, significados e sentidos do processo judicial em menores vítimas de abuso sexual intra-familiar.
O estudo incidiu sobre uma amostra de 15 menores, com idades compreendidas entre os 8 e os 12 anos, entrevistadas no Gabinete de Estudos e Atendimento à Vítima da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto, onde foram submetidas a perícias de avaliação psicológica forense.
Segundo a psicóloga afirmou à Lusa, as crianças, que surgem nos inquéritos judiciais como vítimas de abuso por parte de familiares, contaram , em média, oito vezes, a mesma história. De acordo com Catarina Ribeiro, este "contar e recontar" da experiência pode produzir efeitos desestabilizadores em crianças vítimas de abuso sexual.
O novo Código de Processo Penal já obriga à audição para memória futura, precisamente para evitar esta repetição. Mas estas declarações não impedem, no entanto, que a vítima venha novamente a ser ouvida na fase de julgamento, se o juiz assim o entender. Sendo que essa fase é considerada, por magistrados e inspectores da Polícia Judiciária, contactados pelo JN, uma das "mais hostis" para as vítimas.
Mas antes disso e no âmbito do processo-crime, as mesmas fontes admitem ao JN que a criança possa ter de relatar a experiência de que foi vítima várias vezes. E nas situações em que os abusos são perpetrados por familiares próximos, como é o caso dos menores que são alvo deste estudo, podem ter de repetir a história mais vezes, no âmbito de outro processo, de promoção e protecção, a correr nos tribunais de família e menores. Assim, entre técnicos, polícias e magistrados, fonte do Ministério Público, admite que a vítima tenha de repetir a mesma história, em média, seis vezes.
O estudo revela que cada criança contacta com pelo menos quatro técnicos diferentes, entre comissões de menores, Segurança Social e instituições de acolhimento. Em todos eles a criança deposita expectativas apenas nos momentos iniciais, assumindo, com o decorrer do caso, no entendimento das crianças, um papel menos protector, principalmente por ser um deles que determina o seu encaminhamento para uma instituição.
Já relativamente à PJ, a investigadora destaca que as crianças têm uma percepção "de elevada eficácia e competência" desses profissionais.