Num dia de grande discussão e de grande insolência com a mãe, o pequeno
Dudu apanhou uma grande bofetada na cara. Uma bofetada é uma coisa terrível. É
vermelha, quente e humilhante. Fica a zumbir como um mosquito durante muito
tempo e rebaixa uma pessoa ao nível das larvas. O pequeno Dudu cerrou os punhos
e disse à mãe:
— Hás-de ver… Hás-de ver quando tu fores pequena e eu for grande. Vou
esmagar-te como se fosses uma mosca. Não! Não brinques! Porque antes de te
esmagar, hei-de arrancar-te as patas, os olhos e as asas.
Era, claro, uma frase terrível, mas o certo é que Dudu detestava as bofetadas.
Não deixava de ter razão, aliás, mas, por vezes, a mão move-se sozinha e, na maior
parte dos casos, os pais acabam por lamentá-lo depois.
Às vezes, o pequeno Dudu tinha sonhos de grandeza. Dizia para consigo:
"Quando ela for velha e estiver toda engelhada como uma maçã, já não vai ter
força nenhuma e eu hei-de devolver-lhe todas as bofetadas que ela me deu!"
Mas não teve de esperar tanto tempo! Naquela noite, enquanto ele dormia, o
génio mau entrou no quarto. Sabes, o génio mau é aquele que se aproveita da
cólera ou da tristeza para se meter sem dificuldade na alma das crianças. O génio
mau era feio, tinha olhos amarelos, antenas torcidas e maus pensamentos. Sentou-
se na beira da cama de Dudu e cruzou as suas patas peludas.
— Hoje — disse o génio mau — graças à electrónica, à Internet e a outras
coisas do género, os maus desejos tornam-se realidade. E murmurou: — Não
precisas de esperar que a tua mãe fique velha e engelhada para seres maior do que
ela!
E o génio mau sussurrou-lhe com ar maldoso:
— Tenho uma máquina de reduzir o tamanho.
— Pode-se reduzir mães? — perguntou Dudu ofegante.
Como resposta, o génio mau passou-lhe para a mão uma pequena máquina do
tamanho de uma consola de bolso.
— Está aqui o botão de reduzir mães, que nós reservamos para todas as mães
que recorrem a castigos corporais.
— O que são castigos corporais? — perguntou Dudu.
— Bofetadas, palmadas, sapatadas no traseiro — enumerou o génio mau.
E os olhos amarelos brilharam-lhe de maldade.
— Cuidado, se carregares no botão, a tua mãe diminuirá dez vezes de tamanho,
como uma camisola de algodão lavada a 120 graus!
— Ora, ora! — exclamou Dudu com os olhos a brilharem-lhe de medo e de
desejo. — Não acredito. É impossível!
Os olhos amarelos faiscaram.
— Só tens de experimentar… Mas previno-te: quando a tua mãe estiver
minúscula, terás de a proteger para que ela não desapareça.
E o génio mau despediu-se, gritando:
— Boa sorte, meu GRANDE Dudu!
E desintegrou-se numa nuvem de fumo.
O pequeno Dudu julgou, é claro, que tinha sonhado. Mas, no dia seguinte,
quando viu debaixo da travesseira o aparelho de reduzir, com o seu grande botão,
teve uma sensação estranha. E todo o dia sentiu dentro dele o peso do grande
botão. À noite, quando já era altura de ir fazer os trabalhos de casa, o pequeno
Dudu ainda se encontrava diante do televisor, e levou mais um puxão de orelhas.
— Desliga-me já esse televisor e vai estudar o teu poema de Prévert! Eu disse
JÁ— ralhou a mãe com voz grossa.
Ora acontece que Dudu era maluco por televisão. Tens de compreender o que
se passa: as ideias misturam-se; os pequenos e elegantes neurónios, essas células do
cérebro que se deslocam ligeiramente, tornam-se de repente gorduchas, e o cérebro
fica cheio de papa de televisão. Depois… podes adivinhar o que aconteceu. Dirigiu-
se para o quarto, ergueu a travesseira, agarrou no pequeno aparelho e carregou no
botão. Ziiiiiiip! De repente, um clarão cegou-o e a mãe entrou na sala pouco mais
alta do que uma ratinha.
— O que é que está a acontecer-me? — disse uma voz minúscula, porque agora
tudo era minúsculo, até a voz, até os olhos, não maiores do que cabeças de alfinete,
até as suas minúsculas mãos, que se agitavam como pontinhas de cotonete.
— É um aparelho de reduzir mães — disse Dudu, pondo os pés em cima do
sofá. — Foi por causa daquela bofetada, percebes? Agora deixa-me ver o fim do
episódio e volta para a tua cozinha, por favor.
A mãe aproximou-se, com um olhar furioso. Deu um salto para chegar ao
telecomando, mas não conseguiu. Era, de facto, muito pequenina.
— Pufff — disse o pequeno Dudu, que continuava a ver o filme. Entretanto, a
minúscula mãe dizia para si mesma, num minúsculo murmúrio interior:
"É um pesadelo, façamos de conta que nada aconteceu. Vou acabar por
acordar." Entrou então no quarto de banho para pôr a correr a água da banheira.
Saltou para cima da
torneira, escorregou e… desapareceu num jacto de água que saía da torneira.
— Socorro! Uma tempestade! — gritou a mãe. — O mar está bravo!
O pequeno Dudu lembrou-se dos conselhos do génio do mal. Recuperou in
extremis a sua pequena mãe e secou-a com um guardanapo. Era a primeira vez que
isto lhe acontecia.
— Estou farta! — choramingou a pequena mãe.— Farta de ser pequena! Queria
que o teu pai voltasse de viagem. Sinto-me abandonada, sinto-me sozinha, pequena
e frágil.
— Por que é que estás a dizer-me isso? — perguntou Dudu, surpreendido, ao
ver pela primeira vez a mãe a choramingar. — Não tenho nada que ouvir essas
coisas. Sou uma criança, sabes?
A minúscula mãe olhou-o com um ar furioso.
— Muito bem, hoje EU é que sou pequena, portanto eu é que tenho de ser
protegida. Não tinhas nada que me diminuir de tamanho se não querias proteger-
me.
E a mãe contou-lhe como, por vezes, se sentia sozinha, abandonada e tão em
baixo. O pequeno Dudu tinha vontade de a mandar calar. Perguntava-se se não
seria melhor fechá-la no armário dos medicamentos, ao lado do frasco de álcool a
90 graus e da caixa de Tricosteril, mas receava que ela asfixiasse no escuro. Sim, ele
tinha doravante a missão de proteger a sua pequena mãe.
Sentia um peso sobre os ombros. Quem eram os pais? Quem era o filho? No
fundo, ele gostava mais do tempo em que a sua mãe era grande e não se queixava
tanto. Como fazer, agora? Como quebrar o encantamento? Haveria um aparelho
ampliador de mães? Virou a consola em todos os sentidos, mas só havia o grande
botão de reduzir, que o olhava fixamente com um ar irónico.
À noite, a mãe jantou um grão de arroz, bebeu uma gota de água e deitou-se
numa sapatilha acolchoada. O pequeno Dudu mastigou umas pipocas tristemente.
Ao voltar para o quarto, desejou que aquela história não tivesse acontecido, e
adormeceu rezando para que a sua mãe voltasse a ficar grande. No dia seguinte, a
mãe tinha recuperado a sua estatura normal! Um metro e setenta, cinquenta e cinco
quilos. Como estava bonita. E Dudu perguntava-se:
— Seria um pesadelo? Ou aquela história da máquina de reduzir tamanhos
existiu realmente?
Quando Dudu ouviu a mãe dizer-lhe: – Despacha-te a vestir, por favor. Não
quero voltar a zangar-me contigo. Não quero voltar a dar-te bofetadas. Tudo isso
acabou! — Dudu compreendeu que a história do botão de reduzir tinha de facto
acontecido. O pequeno Dudu levantou-se de um salto e aninhou-se nos braços da
mãe.
— Nunca mais, nunca mais quero ser maior do que tu.
"É verdade", pensou Dudu. "Há alturas em que as mães são gigantes, com a
sua voz grossa, os seus olhos enormes, as suas imensas sobrancelhas carregadas.
Mas há outras alturas em que são apenas maiores do que nós. E assim é bem
melhor."
Sophie Carquain
Petites histoires pour devenir grand
Paris, Albin Michel, 2003