Era uma vez uma velha ferradura.
Um senhor encontrou-a, levantou-a do chão e meteu-a no bolso do sobretudo.
— É para dar sorte — disse o senhor de si para si, muito convencido do que dizia.
Quando chegou a casa e a mulher foi pendurar o sobretudo no cabide é que foram elas.
— Tens o sobretudo tão pesado, homem — intrigou-se ela.
O senhor explicou o porquê:
— É para dar sorte.
— Se dá sorte, não sei — repontou a ela. — O que sei é que o peso da ferradura rompeu o bolso do sobretudo. Tirá-la de dentro do forro vai ser o cabo dos trabalhos.
O senhor, pacientemente, recuperou a ferradura do sobretudo, que foi para coser, e pendurou-a num prego atrás da porta.
— É para dar sorte.
No dia seguinte, ia ele a entrar em casa com a mulher, e a porta não se abriu. Porque seria, porque não seria...
Tiveram de entrar em casa, a muito custo, por uma janela.
A ferradura tinha caído e entalara-se em cunha na porta, impedindo-a de abrir-se.
— Estou a ver que a ferradura só dá trabalhos — comentou a mulher.
O senhor não ligou e foi meter a ferradura numa gaveta:
— É para dar sorte.
Passado tempo, a mulher veio mostrar-lhe umas camisas todas manchadas:
— Puseste a maldita da ferradura na gaveta, encheu-se de ferrugem e deu cabo destas camisas. As melhores que tinhas...
Então o senhor aborreceu-se. Estava desiludido com a ferradura, que só o metera em trabalhos.
— Vou desfazer-me do raio da ferradura. Para dar sorte… — e atirou-a pela janela.
Por pouca sorte, a ferradura foi bater no capot de um automóvel que ia a passar. Pior seria se tivesse acertado em alguma cabeça. Mesmo assim amolgou o automóvel.
Veio o automobilista pedir explicações:
— Quem é o animal que anda a atirar os sapatos para o meio da rua?
O senhor que achara a ferradura teve de pedir muitas desculpas e pagar uma indemnização, para que o caso ficasse por ali. E para que a história acabasse aqui.
António Torrado
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