Uma vez, em tempos que já lá vão, houve uma guerra. Dois países encontraram-se frente a frente e lutaram durante catorze anos, até que os seus reis ficaram sem dinheiro. Declararam paz e enviaram os seus exércitos de volta a casa. Mas, como não tinham forma de pagar aos soldados, deram a cada homem um uniforme, um mosquete, uma espada, um pão, um quadrado de queijo, e disseram:
— Muito obrigado.
Alguns soldados conseguiram chegar a casa ao fim de um ou dois dias, outros em três ou quatro. Havia, porém, um soldado, que vivia no outro lado do reino e que iria levar semanas a regressar. Ao cabo de alguns dias, o pão e o queijo tinham-se acabado e ele estava com muita fome. Chegou a uma pequena aldeia e disse para consigo: "Lutei por estas pessoas durante uma dezena de anos. Tenho a certeza de que me darão alguma coisa para comer."
Bateu à primeira porta. Um homem idoso, com a face enrugada e as costas curvadas pela idade, abriu a porta com um olhar carrancudo.
— O que queres? — perguntou.
— Sou um soldado que regressa da guerra e vai a caminho de casa. Seria possível dar-me uma peça de fruta ou algum pão e queijo? Tenho fome.
— Vai-te embora — disse o velho. — Mal temos para nós.
E bateu com a porta na cara do soldado.
"Tive azar", pensou o soldado.
Dirigiu-se à cabana mais próxima e bateu à porta. Atendeu-o uma rapariga de sobrolho tão carregado como o do velho.
— O que queres?
"Será que ninguém aqui conhece a expressão ‘boa tarde’?", interrogou-se o soldado. E de novo disse:
— Sou soldado, venho da guerra, vou a caminho de casa e tenho fome. Seria possível dispensar-me alguma comida? Posso trabalhar em troca. Posso cortar lenha, levar água ou…
— Vai-te embora — interrompeu-o a mulher. — Não posso dar-te nada.
O soldado dirigiu-se à casa ao lado e bateu à porta. Atendeu-o um rapazinho, com uma expressão tão carrancuda como a do velho e da rapariga.
— O que queres? — perguntou rispidamente.
Pelos vistos, tinha aprendido bem a lição. — Sou soldado, venho da guerra, vou a caminho de casa e estava a pensar se podias ajudar-me.
— Vai-te embora.
E o rapaz fechou a porta com força.
O soldado foi a todas as casas da aldeia e recebeu sempre as mesmas respostas:
— Não temos que chegue para partilhar.
— Vai-te embora.
— Deixa-nos em paz.
Quando olhava para os quintais das traseiras, via, contudo, grandes hortas cheias de produtos agrícolas, árvores carregadas de frutos, galinhas, cabras e vacas. Tinham mais do que suficiente para dar, mas não queriam partilhar nada com ele.
Ainda trazia consigo a espada e o mosquete. Podia ter tirado o que quisesse, mas não era pessoa para isso. Decidiu dirigir-se à cidade mais próxima e ver se lá as pessoas seriam mais amigáveis. Antes de partir, parou para descansar num jardim no centro da cidade. Tirou o chapéu alto e encostou o mosquete a um banco. Depois, desafivelou o cinto da espada, abriu o casaco e esticou as pernas compridas.
Ao sentar-se, sentiu um cheiro doce à sua volta. Olhou para baixo e viu que o banco em que estava sentada era novinho em folha, tendo provavelmente sido feito naquele mesmo dia. O serrim e a madeira nova combinavam-se num cheiro maravilhoso. Foi então que viu um monte de pregos de carpinteiro. "Isto é um achado", pensou. "Estive fora todos estes anos e tenho a certeza de que vou ter de fazer alguns arranjos na minha casa. Só é pena que não seja comida." Ao meter os pregos na bolsa teve uma ideia. Talvez, de certa forma, os pregos fossem comida.
Saltou do banco e começou a bradar:
— Aldeões, venham, venham, venham ver! Tenho um presente para vós.
As pessoas espreitaram pelas janelas e entreabriram as portas.
— Não tenham receio! — gritou. — É grátis!
Quando as pessoas ouviram a palavra "grátis" saíram todas: todos os homens, todas as mulheres e todas as crianças.
O soldado sorriu-lhes e disse:
— Sou um soldado que vem da guerra e vai para casa. Não há muito tempo, dei a volta ao mundo num dia. Tomei o pequeno-almoço com o Imperador da China, tomei chá com o Imperador do Japão, e jantei com a Rainha da América. Estas pessoas importantíssimas e poderosas têm um segredo em comum. Todos os dias, comem uma tigela de uma sopa especial que as torna felizes e sábias. Eu tenho a receita. A Rainha da América deu-ma e eu vou fazê-la para vós.
As pessoas aplaudiram.
— Que espécie de sopa é essa? — perguntaram.
— Sopa de pregos — gritou o soldado.
As pessoas menearam a cabeça, como que confundidas. Nunca tinham ouvido falar de sopa de pregos. Até os melhores cozinheiros estavam perplexos.
— Nunca ouviram falar de sopa de pregos? — perguntou o soldado. — É muito rica em ferro. Bem, se não querem que lhes faça sopa de pregos, vou para a próxima aldeia e faço-a lá.
As pessoas pediram-lhe encarecidamente que ficasse e que lhes fizesse a sopa de pregos.
— Muito bem. Vou precisar de algumas coisas. Primeiro, de uma panela suficientemente grande para alimentar a aldeia inteira.
— A minha irmã tem um caldeirão no quintal dela.
Os homens da aldeia arrastaram-no até ao parque. Algumas crianças pegaram em baldes e foram a correr buscar água da fonte para encher o caldeirão. Outros trouxeram madeira e acenderam o lume. Em breve, a água começou a ferver.
— Deitas agora os pregos? — perguntaram.
— Ainda não. É pena que esta aldeia seja tão pobre e que não tenham nada para partilhar. Há alguns ingredientes que tornam a sopa de pregos ainda mais deliciosa.
— Tais como? — perguntaram os aldeões.
— Bem, se tivessem algumas batatas e cenouras, seria óptimo.
O velho a cuja porta o soldado batera foi buscar um grande saco de batatas. A rapariga que o tinha mandado embora trouxe um enorme braçado de cenouras. O soldado cortou-as com a espada e deitou-as para dentro da panela.
— Agora deitas os pregos lá dentro?
— Ainda não. Sabem o que torna a sopa de pregos deliciosa?
Eles abanaram a cabeça.
— Cebolas e tomates.
As pessoas correram a buscar dúzias e dúzias de cebolas e de tomates. O soldado cortou-os e atirou-os para dentro da panela. O cheirinho era convidativo.
— Agora pões os pregos lá dentro?
— Ainda não. Sabem o que torna a sopa mesmo boa?
Todos abanaram novamente a cabeça.
— Abóbora e especiarias.
Toda a gente tinha abóboras. Trouxeram muitas, bem como alho, sal, pimenta e orégãos. O soldado cortou as abóboras e deitou as especiarias. O odor era cativante.
— Agora deitas os pregos lá dentro?
— Ainda não. Sabem o que torna a sopa perfeita? Alguma carne. Uns restos servem.
Todos correram a casa e trouxeram carne de vaca e de galinha, carne de porco e de pato. O soldado cortou-a e deitou na panela.
— Agora ide todos a casa e trazei uma tigela e uma colher para vós e, já agora, será que alguém podia trazer também uma para mim? Não se esqueçam de trazer alguma coisa para dividir com os outros: pão, fruta, queijo, vinho.
Todas aquelas pessoas que tinham sido tão amargas e hostis, se riram e correram a suas casas. Trouxeram tigelas e comida para dividir com os vizinhos. Fizeram uma fila e o soldado deu a cada um uma tigela de sopa. Algumas comeram duas, outras três. O soldado comeu quatro. Sentaram-se no jardim, comeram a sopa e dividiram a comida. Algumas pessoas começaram a cantar, outras a contar histórias. Um homem foi a casa e trouxe o violino. Em breve as pessoas estavam a dançar.
De repente, um rapazinho gritou:
— Esperem lá! O soldado não deitou os pregos na sopa!
Toda a gente se deteve a olhar fixamente para o soldado. Devagar, este tirou os pregos do bolso do casaco e pô-los suavemente na mão do rapaz.
— Tens razão, não deitei. Mas tu ficas com os pregos, meu filho, e da próxima vez que alguém bata à tua porta com fome, já sabes o que fazer.
As pessoas sentiram-se embaraçadas e desviaram o olhar.
Mas a música logo recomeçou, bem como as histórias, as canções e as danças, sem que voltasse a haver interrupções.
O soldado tinha razão. A sopa de pregos torna mesmo todas as pessoas muito felizes e muito sábias.
Dan Keding
Stories of Hope and Spirit
Little Rock, August House Publishers, 2004