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O papel da família na formação de crianças leitoras
Abril, 2008
Ângela Balça, Centro de Investigação em Educação e Psicologia
www.ciep.uevora.pt

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  1 - Nos dias de hoje, parece-nos inegável a importância da leitura e de saber ler, para que os cidadãos se integrem plenamente na vida quotidiana, em termos profissionais e em termos de lazer.
  As grandes preocupações com o papel desempenhado pela leitura e com o domínio do código escrito, na moderna sociedade da informação, não são apenas apanágio da sociedade portuguesa, mas estão presentes a nível global.
  Deste modo, a UNESCO proclamou a década 2003/2012 como a United Nations Literacy Decade, ou seja, a Década Internacional da Literacia, admitindo que nos dias de hoje a literacia permanece como um dos maiores desafios da humanidade, a nível global.
  Tendo em conta estas inquietações da sociedade em geral, neste texto pretendemos reflectir sobre o papel desempenhado pela família na promoção da leitura, do gosto pela leitura e na aquisição de hábitos de leitura, entre as crianças mais novas.

  De facto, a criança, antes de entrar para o 1º ciclo, ainda não descodifica o código linguístico, mas torna-se leitora e apropria-se da leitura através da mediação da família.
  Assim, a família cumpre um desígnio capital na emergência de práticas de literacia entre os mais novos e, consequentemente, na formação de crianças leitoras.

  2 - A formação de crianças leitoras começa muito cedo, sendo a família a primeira instituição a promover e a colaborar nessa formação. Alguns estudos põem em evidência o papel desempenhado pela família da criança, na formação do gosto pela leitura e de hábitos de leitura.

  Gómez del Manzano (1988) afirma que a família é o lugar privilegiado para a criança despertar para o interesse pela leitura. González Alvarez (2000) vai mais longe, ao asseverar que, sem o auxílio dos pais, são poucas as probabilidades de se desenvolver na criança uma atitude favorável em relação à leitura. Neste sentido, segundo Sousa e Gomes (1994) e Gomes (1996), um leitor forma-se desde o berço. Nestes primeiros anos de vida da criança, o livro deveria fazer parte do seu mundo, como mais um brinquedo ou como mais um jogo, fazendo a criança descobertas sucessivas e enriquecedoras em redor do livro, com o auxílio dos adultos (Sousa e Gomes, 1994; González Alvarez, 2000).

  Por outro lado, conjuntamente com esta forma de encarar o livro, enquanto objecto lúdico, deve ler-se para a criança e com a criança, todos os dias (González Alvarez, 2000), em qualquer momento do dia.

  Segundo Marques (1993) ou González Alvarez (2000), a familiarização das crianças com a língua escrita deve ocorrer de forma positiva, em situações de leituras funcionais, como as que surgem no quotidiano da família (recados, listas de compras, instruções, receitas, entre outras) ou em situações de leitura recreativa.

  Dentre estas salientamos, como Sousa e Gomes (1994), a leitura antes de adormecer, que surge como um momento de intimidade, de exclusividade, de dádiva plena, para a criança.

  Aliás, González Alvarez (2000) salienta a importância não propriamente da leitura em si, mas dos momentos prazenteiros que se estabelecem entre o adulto e a criança, que lhes permitem, quanto a nós, entabular conversas e trocar experiências, sentindo a criança que aqueles momentos lhe são inteiramente dedicados.

  Na verdade, igualmente Magalhães e Alçada (1988) colocam em evidência o clima afectivo extremamente agradável que se pode estabelecer entre a criança, o texto e o adulto, em redor da leitura. Este clima afectivo estabelece-se se entre a criança e o texto existir um adulto de permeio, que terá a função de ser o intérprete entre essa criança e esse texto.

  Porém, estas autoras vão mesmo mais além, afirmando que esta função do adulto pode ser mais vasta e mais profunda, na medida em que, mais do que um intérprete, o adulto pode ser um intermediário afectivo, entre a criança e o texto, tornando deste modo o momento da leitura num momento de grande sensibilidade e de grande ternura.

  Ora estes aspectos remetem-nos de alguma forma também para a questão do espaço e do tempo para a leitura. Tal como afirmam Magalhães e Alçada (1988), parece-nos indispensável que a criança tenha no seu dia à dia um espaço e um tempo reservados à leitura, pelo puro prazer da leitura.

  Para Gómez del Manzano (1988), esta será uma tarefa dos pais, que deverão ter a preocupação de criar um ambiente adequado, para que a criança seja capaz de ir lendo num clima de valorização e de sossego.

  Realmente, parece-nos que, como afirma González Alvarez (2000) ou Sobrino (2000), a família deve ser um modelo para as crianças, uma vez que é na família que se constroem os modelos básicos de conduta das pessoas.

  Assim, é importante que as crianças vejam e sintam a presença e o uso do livro (e das revistas e dos jornais, acrescentamos nós) em casa e percebam que esses materiais de leitura são mexidos e lidos (González Alvarez, 2000). A criança deve ver os adultos que a rodeiam a ler.

  Para além disso, a família deve promover e facilitar o contacto da criança com o livro e com outros materiais impressos, despertando nela o desejo e a curiosidade de ler e fazendo da leitura uma rotina de prazer (Sousa e Gomes, 1994).

  Na verdade, os pais são um modelo com um papel decisivo, uma vez que se eles forem leitores regulares, certamente conseguirão fomentar nos filhos a curiosidade pela leitura e o desejo de lerem. De facto, a interiorização da ideia de que a leitura é uma actividade quotidiana e o crescimento da criança numa família que valoriza o livro, são aspectos que concorrem para que a criança possa ter uma maior tendência e uma maior motivação para a leitura (Gomes, 1996; Santos, 2000).

  Neste sentido, Santos (2000) propõe um conjunto de estratégias, que a família pode implementar, a fim de promover junto das crianças o gosto pela leitura. Deste modo, uma das estratégias propostas visa proporcionar à criança a constituição da sua própria biblioteca, acompanhando-a a livrarias e a bibliotecas, auxiliando-a a escolher livros, que vão ao encontro dos seus interesses, e propiciando mesmo a aquisição desses livros.
  A biblioteca pessoal permite à criança uma maior intimidade com os livros e convida-a à leitura e releitura dos seus livros preferidos, facilitada certamente pela presença destes na sua biblioteca.

  Uma outra estratégia proposta por Santos (2000) visa o acompanhamento, por parte do adulto, da leitura das crianças, manifestando interesse e conversando com elas acerca das suas experiências leitoras.
  O estímulo e o acompanhamento pela família da leitura das crianças acabam por ter implicações positivas, quando a criança inicia a aprendizagem formal da leitura na escola.

  Assim, Marques (1993) assinala que inúmeros autores têm comprovado que as crianças que melhor lêem, no início da sua escolaridade, são as que possuem um ambiente familiar, onde a leitura e a escrita são actividades quotidianas.

  Na verdade, a família, para além de favorecer o contacto da criança com o livro, deve estar atenta aos gostos das crianças. Segundo Wilkinson (2003) os pais, quando escolhem livros para os seus filhos, em geral estão mais preocupados com o facto destes irem ou não ao encontro dos interesses particulares das crianças, do que propriamente centrados em aspectos relacionados com a qualidade das obras.

  A família deve ainda colaborar activamente e assiduamente com o educador de infância, nas actividades promovidas para estimular o gosto pela leitura, cooperando num trabalho que se quer conjunto. O conhecimento dos objectivos e das actividades, realizadas pela criança no jardim de infância, é importante para que a família colabore na emergência de práticas de literacia e na formação do gosto pela leitura na criança.

  Por outro lado, o educador de infância tem como função e pode ajudar a família na descoberta dos livros mais adequados ao nível etário das crianças, levando os pais a adquiri-los e a lê-los em casa com os seus filhos.

  O êxito do diálogo entre a criança, o livro e o adulto só é possível, se o adulto conhecer a literatura infantil actual, não querendo impor à criança obras que lhe terão agradado, mas que hoje podem não corresponder às expectativas das crianças (Gómez del Manzano, 1988; Magalhães e Alçada, 1994).

  Na verdade, creio que podemos afirmar que o gosto de ler e a aquisição de hábitos de leitura, por parte das crianças, resultam de uma educação com início nos primeiros anos de vida, dentro do seu ambiente familiar. A promoção do gosto pela leitura e a aquisição de hábitos de leitura é um processo contínuo, que começa na família, mas que deve ser reforçado assim que a criança faz a sua entrada na educação pré-escolar e ao longo de toda a sua escolaridade.

Referências Bibliográficas:

GOMES, José António. 1996. Da Nascente à Voz – Contributos para uma Pedagogia da Leitura. 1ª ed. Lisboa: Caminho.

GÓMEZ DEL MANZANO, Mercedes. 1988. A criança e a leitura. Como fazer da criança um leitor. Porto: Porto Ed.

GONZÁLEZ ALVAREZ, Cristóbal. 2000. Estrategias y procedimientos para fomentar la lectura en la familia y en la escuela. Lenguaje y textos. 15. Universidade da Coruña, 71-80.

MAGALHÃES, Ana Maria & ALÇADA, Isabel. 1988. Ler ou não ler eis a questão. Lisboa: Caminho.

MAGALHÃES, Ana Maria & ALÇADA, Isabel. 1994. Os jovens e a leitura nas vésperas do século XXI. Lisboa: Instituto de Inovação Educacional, Escola Superior de Educação de Lisboa, Caminho.

MARQUES, Ramiro. 1993. Ensinar a ler, aprender a ler. 5ª ed. Lisboa: Texto.

SANTOS, Elvira Moreira. 2000. Hábitos de leitura em crianças e adolescentes. Um estudo em escolas secundárias. Coimbra: Quarteto

SOUSA, Maria Elisa & GOMES, José António. 1994. Ler é preciso? A escola e a leitura. Centro de Formação dos Professores de Pombal, Secção Portuguesa do IBBY.

WILKINSON, Karen. 2003. Children’s favourite books. Journal of Early Childhood Literacy. London: Sage Publications, 3, Vol. 3, 275-301.



Morada institucional da Autora
Universidade de Évora / Departamento de Pedagogia e Educação/ Apartado 94
7002-554 Évora
Email: angela.balca@mail.evora.net
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