"As línguas não existem. Existem pessoas que falam línguas".
Louis-Jean Calvet (Linguísta)
O ser humano é, por excelência, um animal social. Logo após o nascimento o bebé começa a tentar comunicar com a mãe com os instrumentos que possui. É hoje sabido, por exemplo, que o choro possui características distintas, quer se trate de uma aflição, fome, aborrecimento, desconforto... distinções que a mãe consegue interpretar de forma a conseguir ir ao encontro das suas necessidades.
Por volta dos três meses, o bebé produz sons que nada têm em comum com a linguagem do adulto. Estes vocábulos têm como objectivo continuar a favorecer a interacção mãe-bebé e fortalecer os laços afectivos que os unem.
Entre os seis e os oito meses, as inflexões e ritmos passam a ter uma maior riqueza. Ao ano, o bebé pronuncia aquilo que se pode considerar o esboço de algumas palavras. Aos completar dezoito meses, estará habilitado a dizer palavrinhas simples ("olá", "dá", "sim", "não") e a compreender ordens.
Contudo, há que ter bem presente que cabe aos pais estimular todo este processo, pois só assim os mais pequeninos se sentirão motivados para aprender. Em regra, aos vinte e quatro meses dá-se uma autêntica explosão de vocabulário. As crianças tornam-se autênticas tagarelas. Gostam de falar e mesmo que não saibam ainda designar os objectos através dos seus nomes correctos, encontram formas alternativas de se fazerem entender.
Aprender duas línguas
Pode acontecer que sendo oriundo de Portugal, a criança viva num outro país ou então os pais sejam de países diferentes. Nestes casos, a criança tenderá a ser bilingue, ou seja, desenvolverá a habilidade de comunicar em duas línguas.
Nas crianças bilingues, a aquisição da linguagem faz-se, em regra, um pouco mais tardiamente, por volta dos três ou três anos e meio. Haverá então a tendência para articular perfeitamente as duas línguas, como também conseguirão compreender qual é que vai de encontro à pessoa que a usa ou seja, pode falar português com a mãe e de seguida responder em espanhol ao pai.
Para além disso, é comum que o façam sem que um sotaque esteja a "contaminar" o outro. Se estivermos atentos, conseguiremos perceber que o próprio raciocínio se efectua na outra língua, isto é, não existe qualquer processo de tradução. É que a aprendizagem precoce de uma segunda língua está neurologicamente bastante facilitada. As estruturas que facilitam a capacidade do bilinguismo estão, nas crianças, instaladas numa parte do cérebro diferente dos adultos.
Isso explica que seja bastante mais fácil aprender uma nova língua no ensino pré-escolar e daí que a inclusão do inglês nos curriculla do ensino português seja uma medida a incentivar. Se o início da aprendizagem for para além dos 10 anos, pode nunca se conseguir atingir um bom nível de aprendizagem.
De certo modo, ainda que não fosse apoiado por conhecimentos científicos, este facto já tinha sido detectado. Não é por acaso que o povo costuma dizer que "burro velho não aprende línguas". Quando o adulto aprende uma segunda língua, constrói novas áreas no cérebro para armazenar estas informações, enquanto que a criança as incorpora nas estruturas cerebrais já existentes.
Bilinguismo e Surdez
O bilinguismo precoce, no caso da surdez, é de vital importância pois permite ao surdo desenvolver-se cognitivamente (memória, capacidade de observação e de abstracção), adquirir conhecimentos acerca do mundo que a rodeia e aculturar-se quer ao mundo dos surdos, quer ao mundo dos ouvintes.
Assim, as crianças surdas, independentemente do seu grau de surdez, deverão crescer bilingues. A linguagem gestual será a primeira a ser adquirida. A sua riqueza incontestável, permite que logo se estabeleça uma comunicação entre os pais e o bebé surdo, o que fortalece os laços afectivos. Posteriormente a linguagem oral (tanto escrita como falada) será adquirida. Mesmo que o surdo nunca consiga falar correctamente, é importante que se esforce por comunicar verbalmente, auxiliado pelo gesto.
Algumas dicas para estimular o bilinguismo
- Fale com o bebé na sua língua. A princípio ele não irá entender, mas familiarizar-se-á com os sons...
- Ensine-lhe rimas e canções de embalar.
- Faça a criança sentir orgulho no facto de saber duas línguas.
- Não se ria quando ela se enganar ao escrever, ou pronunciar uma palavra.
- Seja consistente. Seja qual for o padrão de uso do português e da outra língua na sua casa, não altere esse padrão.
- Encare o bilinguismo com naturalidade.
- Não force, não cobre e não exija. Fale com o seu filho naturalmente. O resto virá por si.
Falsos Mitos
- Aprender duas línguas confunde as crianças e diminui-lhes a inteligência.
- Deve-se aprender primeiro uma língua e depois outra.
- Ser bilingue provoca problemas de identidade.
- Quem fala duas línguas, pensa só em uma e traduz mentalmente a outra.
- Os bilingues são óptimos tradutores.