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A Mentira
Dezembro, 2007
Dra. Vera Ramalho - Psicóloga Clínica

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A mentira é uma conduta aprendida que faz parte dos comportamentos sociais. Quem nunca mentiu? Começando pelos falsos elogios "esse corte de cabelo fica-te muito bem", passando pelas desculpas esfarrapadas "não fiz os trabalhos de casa porque faltou a luz", até chegar às mentiras descaradas "ser o próprio a atender o telefone e dizer que não está". Mas enquanto comportamento aprendido, o papel do meio em que a criança se desenvolve torna-se fundamental. Se os adultos com quem a criança se relaciona mentem muito, então os miúdos tenderão a não falar verdade.

   Nalgumas situações a mentira torna-se necessária para não magoar os outros ou porque a verdade pode provocar danos mais graves naquele momento. De qualquer forma, necessária ou não, a mentira é um comportamento socialmente criticado e que suscita preocupação nos pais. Mas, apesar disso, mesmo sem se darem conta, muitas vezes são os pais a incitar a criança à mentir, mandando dizer à professora que não podem ir à reunião porque estarão fora naquele dia.

   Razões mais comuns para a mentira

   a) Receio das consequências (quando a pessoa teme que a verdade traga consequência negativas),

   b) Insegurança, baixa auto-estima ou compensação (quando a pessoa pretende fazer passar uma imagem de si própria melhor do que a que verdadeiramente acredita ou quando tenta fingir que tem ou é algo diferente da realidade. Ex. Inventa uma família mais afectuosa do que aquela que realmente tem),

   c) Razões externas (quando a pressão vem do exterior, por motivos de autoridade ou por co-acção),

   d) Por ganhos e regalias (se a pessoa percebe que mentir trás ganhos, já que fica em vantagem em relação aos que dizem a verdade)

   e) Por razões patológicas.

   As idades da Mentira

   Dependendo da idade da criança, a mentira pode assumir diferentes facetas. Durante os anos da pré-escola a criança ainda não consegue distinguir completamente a fantasia da realidade e neste sentido, mentir pode ser uma consequência da sua imaginação e imaturidade, traduzindo-se também em histórias sobre acontecimentos que não se passaram. Nestes casos, os pais podem apenas mostrar a diferença entre a sua imaginação e a realidade, ou quando se trata de uma situação menos importante, simplesmente ouvir. Com o crescimento vai ganhando compreensão da mentira e quando apanhado, usa a expressão "estava a brincar" para tentar esquivar-se.

   Com a entrada para a escola, a mentira assume um papel utilitário e pode surgir após uma asneira, porque a criança já tem capacidade para perceber que errou, mas está em conflito entre a vontade de adesão às regras sociais e o desejo de não desagradar ao adulto. Assim, mente para evitar o embaraço. É preciso que os pais mostrem a criança que sabem que ela está a mentir e falem abertamente com ela, mostrando a verdade dos factos e que desaprovam sua atitude, apresentando as desvantagens da mentira e as vantagens da verdade.

   Quando mais velhas, as crianças geralmente mentem para negar algo errado que fizeram e evitar a crítica, para fugir à punição ou para serem fiéis aos amigos.

   Na adolescência, os adolescentes descobrem que a mentira pode ser aceite em certas ocasiões e até ilibá-los de responsabilidade e ajudar a sua aceitação pelos colegas. Também é comum mentirem para saciar a curiosidade dos pais.

   Porque a mentira persiste?

   A mentira aparece frequentemente devido à falta de barreiras externas que limitem o comportamento. Esta situação surge frequentemente em filhos de pais muito repressivos ou demasiadamente permissivos.

   É importante que os pais avaliem sobre a persistência da mentira na criança. Ao repreender a criança devem evitar exageros. O sentimento de culpa em grandes doses, quando os pais são muito severos, pode dificultar a segurança da criança para dizer a verdade e sentir necessidade de mentir para não ser castigada ou para não desagradar os pais.

   Quando a mentira é um problema psicológico

   Num estado mais grave, a mentira pode surgir com base num problema de auto-estima e auto-imagem que despoletam a necessidade de querer passar uma imagem melhor do que aquela que acreditamos ter ou que gostaríamos de ter.

   Por outro lado, a mentira pode surgir para a criança defender-se de sua difícil realidade, criando uma versão que gostaria de estar a viver.

   Quando dita de uma forma compulsiva, a mentira pode ainda surgir como uma dependência. Os dependentes da mentira sabem que estão a mentir mas não se conseguem controlar. De uma forma geral, a mentira compulsiva vem acompanhada de outros comportamentos anti-sociais, como o roubo, a tendência a enganar e dificuldades nos relacionamentos sociais. Geralmente, são crianças que apresentam dificuldades na relação com figuras de autoridade, são impulsivas e apresentam um grave comprometimento emocional, necessitando de ajuda profissional.

   Nos casos extremos a mentira surge sob a forma de delírio, uma descrição que as próprias pessoas admitem como verdadeira, apesar do seu aspecto frequentemente bizarro, devido a uma quebra de contacto com a realidade.

   Actuação

   Cada situação exige uma actuação diferente, tendo em conta a gravidade e a frequência das mentiras.

   Os pais devem ajudar a criança a distinguir entre a realidade e a mentira e falar abertamente com eles sobre os aspectos negativos da mentira, bem como as vantagens que a verdade lhes trará. O adulto deve ajudar a criança a reconstituir os factos e contribuir para acentuar o sentido da responsabilidade. Se necessário deve ser aplicada uma consequência.

   Não esquecer que em casa a criança deve encontrar exemplos de verdade e honestidade que fomentem a sua atitude de sinceridade.

   Fundamental é que a relação da criança com os pais promova segurança para a criança dizer a verdade, sem ameaças. Assim, é mais fácil para os pais ajudá-la a explorar outras formas de atingir o seu objectivo, sem mentiras.
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