"O entendimento não deve aprender pensamentos, mas a pensar. Deve ser conduzido (…), mas não levado em ombros, de maneira que no futuro seja capaz de caminhar por si sem tropeçar."Kant
A distinção entre as denominações
Filosofia para Crianças ou
Filosofia com Crianças parece-nos importante apenas como tomada de consciência daquilo que é ou deverá ser a prática filosófica com crianças.
Por um lado,
Filosofia para Crianças, na medida em que adaptamos o desenvolvimento de competências filosóficas especificamente para crianças, em analogia ao desejavelmente feito em Filosofia enquanto disciplina do Ensino Secundário e o subsequente Programa da disciplina para os 10º, 11º e 12º anos de escolaridade. Pois, enquanto professores, quer gostemos deste em termos estéticos, éticos, de conteúdo ou utilidade, quer não gostemos, a realidade é que do ponto de vista teórico e lógico o mesmo se adapta ao
desenvolvimento cognitivo médio, ou normal, das idades a que se destina.
Por outro lado,
Filosofia com Crianças pois a génese da mesma, e aqui entenda-se deste tipo de prática do ponto de vista lipmaniano, pressupõe a criação de uma Comunidade de Investigação em que as crianças são
co-autoras da sua própria aprendizagem e investigação filosóficas.
Temos vindo a debruçar-nos sobre a dimensão ética da prática filosófica com crianças. Uma questão recorrentemente colocada, principalmente por pessoas estranhas à área, e com a qual qualquer profissional que desenvolva esta prática já se viu certamente confrontado, é a seguinte:
"Não estaremos a roubar a infância às crianças?"
Neste ponto parece-nos importante delinear o que se entende por
infância. Assim, cremos que propiciar conhecimento, ou melhor fornecer ferramentas para se poder conhecer, não consiste numa violação de qualquer estádio da existência humana esterilizado numa redoma como o é, segundo esta crítica, a infância. Considerar a infância como uma fase espontânea das nossas vidas não equivale a considerá-la como necessariamente irreflectida e irracional. Abordemos, por instantes, o mito de Prometeu e Epimeteu. Alguma vez nos questionamos sobre se Epimeteu era apenas uma criança e Prometeu um adulto pausado e racional nas suas decisões? Cremos que não! Ora, considerar a infância como epimeteica e a adultez como prometeica não fará também sentido!
Assim, a
questão ética relativa à Filosofia para/com Crianças é respondida ao não considerarmos a infância uma fase irracional que se deve manter afastada das vicissitudes da existência humana, pois o que a prática filosófica com crianças propicia não são ensinamentos práticos dogmáticos a aplicar de forma acrítica. Aquilo que a prática filosófica com crianças permite é o acesso à sua condição de ser humano, ou seja, o acesso metódico à racionalidade. E este não consiste numa violação da condição de ser criança! Esta prática apenas permite contactar com as ferramentas possíveis para se poder trabalhar o que se é e, porque não, trabalhar o mundo.
A prática filosófica com crianças implica que as crianças sejam crianças e, cremos até, mais crianças, seja o que for que englobe a definição do conceito de criança: imaginação, criatividade, tranquilidade existencial, inexistência de tabus…, e que certamente não incluirá nas suas acepções ausência de racionalidade!
Artigo publicado originalmente e disponibilizado em:
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